Qual o atendimento mais adequado?
Será que essas pessoas estão falando a verdade?
O que esperar desse atendimento?
O quadro melhora? Dá para reverter?
A convivência na escola vai ser como?
Como lidar com o bullying?
E se ninguém entender o que ele, ou ela está falando?
A lista é infinita. Mas depois que essas perguntas todas ficam em silêncio, pelo menos momentaneamente, outra vem à mente, lá no fundo, e parece ser uma das maiores: como será a vida adulta?
Se todo o entorno está voltado para o desenvolvimento e bem-estar daquela pessoa, ela provavelmente terá uma vida saudável e naturalmente irá crescer e envelhecer, como todos nós.
Afinal de contas, o que o futuro reserva?
Honestamente, ninguém sabe. Ninguém sabe responder essa pergunta sobre ninguém. E isso não é algo necessariamente ruim.
Quando falamos sobre o universo de pessoas com deficiência, é importante termos calma e sabedoria para separar o que realmente tem a ver com a limitação do indivíduo e o que é inerente à condição humana.
Eu sei que pode parecer muito complicado, mas por um momento, tente tirar a deficiência da sua criança da equação e refaça essa pergunta. Você vai provavelmente se vai deparar com preocupações naturais, que os seus pais e educadores tiveram em relação a você: consolidação de valores éticos, ter respeito ao próximo, ter uma vida social saudável, contribuir para um mundo melhor, construir uma família e ter uma vida longa e com saúde.
Agora tente responder a essa pergunta, levando em consideração apenas as características específicas do quadro do seu filho, ou filha. Nesse momento é possível pensar nas preocupações que envolvem locomoção, movimentação, autonomia de execução, comunicação, possibilidades cognitivas, entre outros infinitos pontos.
Para lidar com esses desafios, provavelmente procuramos soluções mais ferramentais, de desenvolvimento e de tecnologia. De uma maneira pragmática é como se nos perguntássemos “Quais são os apoios externos que eu preciso para que a personalidade daquela pessoa possa se expressar de maneira plena?”.
Como os quadros da paralisia cerebral são muito variados e eu só tenho o meu próprio referencial, vou comentar um pouco sobre como que os meus pais responderam a essa pergunta e como eu passei a ser responsável pela resposta.
Um pouco sobre Rafa Bonfim
O meu quadro existe em decorrência de um parto prematuro, em agosto de 1982. No site da Nossa Casa há um vídeo muito interessante sobre o conceito de paralisia cerebral, bem como a classificação mundial das limitações correlatas. A escala GMFC, em inglês.
De acordo com essa escala e com as avaliações que recebi quando criança, eu estou na metade do índice. Sou um nível 3, com limitações motoras moderadas. O meu comprometimento é nos membros inferiores e superiores; com possibilidades limitadas de desenvolvimento de marcha e equilíbrio, além de uma coordenação motora fina prejudicada, principalmente na mão esquerda.
Durante a minha infância eu fui atendido por uma fisioterapeuta, uma terapeuta ocupacional, uma fonoaudióloga, uma psicóloga e passei por 7 procedimentos cirúrgicos. Os atendimentos perduraram por muitos anos, com destaque para a físio: comecei com 6 meses e parei com 21 anos.
Pronto. Falei sobre as características que envolvem o fato de eu estar sentado numa cadeira de rodas e mais nada. Tudo o que eu posso dizer sobre a minha vida daqui em diante quase nada tem a ver com o fato de eu ter uma deficiência, mas sim, com a minha personalidade.
Outro ponto importante do meu relato é deixar bem claro qual foi a meta dos meus pais e de toda a equipe multidisciplinar que me atendeu. A meta sempre foi responder justamente à pergunta que fiz há pouco:
“Quais são os apoios externos que eu preciso para que a personalidade daquela pessoa possa se expressar de maneira plena?”
A jornada não foi simples, muito menos fácil, mas o objetivo sempre foi claro. Ao concentrar nossas energias em criar condições de autonomia (ela se manifestando da maneira que fosse) foi mais pacífico fazer uma outra escolha: potencializar as possibilidades e acolher as limitações.
Para potencializar, não há muito segredo. Estímulo e repetições constantes. Esse trabalho ininterrupto mirava atividades básicas, como tomar banho, trocar de roupa, me alimentar, ir ao banheiro e me locomover minimamente.
Dos 12 anos em diante
O meu aniversário de 12 anos foi um marco na minha trajetória, porque foi quando eu comecei a tomar as rédeas mais conscientemente do meu processo de inclusão. A escolha que mais marcou esse período foi optar por usar mais a cadeira de rodas. Sim, a cadeira de rodas foi uma opção.
Resumidamente, o que aconteceu comigo de lá para cá, foi o seguinte:
Participei de 30 peças teatrais, seja escrevendo, dirigindo, ou atuando; fiz 4 filmes; estudei em 4 universidades e tenho 4 diplomas; ganhei 3 prêmios profissionais públicos; trabalhei em 10 empresas; fui personagem de história em quadrinhos; comprei 2 carros; comprei e vendi um apartamento.
Dentre as minhas melhores histórias estão o fato de eu morar sozinho há 7 anos, um salto de paraquedas, incontáveis aventuras com os meus amigos de adolescência, viagens sozinho para São Paulo, Brasília, Argentina, Uruguai, Curitiba e Rio de Janeiro.
O Rio de Janeiro merece um destaque especial, porque em uma das vezes que fui para lá, a primeira coisa que fiz foi subir o Morro do Vidigal para conhecer um projeto social. Eu estive com pessoas fascinantes, vi um trabalho espetacular e eu não me lembro muito bem como saí de lá.
A mistura dos dois lados
Até o momento falamos de deficiência e depois de personalidade. Na verdade, os melhores resultados podem vir da mistura dos dois lados. Pensar sobre como aquela criança irá no futuro fundir a sua personalidade à deficiência, pode trazer novas fronteiras e novos debates.
Por mais que a pergunta ainda é tão misteriosa quanto o questionamento sobre o futuro, ela pode empoderar a pessoa e o entorno de uma maneira muito interessante. É por meio desse caminho que podemos fortalecer a capacidade que temos de adaptação e resiliência.
As habilidades de improviso, criatividade, superação e autoconhecimento são traços que temos e que em cada um de nós eles se manifestam de maneiras diferentes. Todos nós temos, inclusive os seus filhos.